Nós da Oficina Raquel, convidamos Daniel Dornelas* para fazer um bate papo no tempo de um cafezinho, com Felipe Brandão, autor de Conversas que não tive com a minha mãe acaba de ganhar a segunda reimpressão. O pequeno livro da ausência, como o próprio autor define, é um convite para refletir sobre saudade, perdão, luto, amor e esperança.
Felipe Brandão emociona os leitores ao contar sobre a morte de sua mãe, que ocorreu quando era um menino de apenas quatro anos. As memórias de um futuro que não aconteceu abraçam toda pessoa que perdeu alguém.
1. Para muitos de nós, escrever é uma salvação. De que forma o seu primeiro livro te ajudou a lidar com o luto e a saudade de sua mãe?
R: Escrever, para mim, foi como abrir uma janela dentro do peito, deixando o vento da memória dançar com a dor do luto. Meu primeiro livro nasceu do desejo de costurar com palavras o vazio que ficou. Cada linha escrita foi como um abraço à distância, uma conversa silenciosa com minha mãe, onde a saudade encontrou refúgio. Nesse processo, as lágrimas viraram textos, e a ausência, uma presença que me acompanhava a cada página virada. Escrever foi, e sempre será, minha maneira de manter viva a chama do amor que nunca se apaga.
2. Socialmente, somos incentivados a não falar sobre a morte. Por vezes, o silêncio é uma tentativa de esquecer a dor. Quando você decidiu resgatar e, principalmente, criar memórias?
R: O silêncio, por muito tempo, foi o meu companheiro, mas percebi que nele a dor apenas adormece, sem jamais partir. A decisão de resgatar e criar memórias veio como uma voz interna que me dizia que a vida, mesmo no luto, pede para ser lembrada, recriada, vivida. Entendi que as memórias, sejam elas antigas ou novas, são pontes que nos ligam ao que foi e ao que ainda pode ser. Ao resgatá-las, não estou apenas preservando o passado, mas também plantando sementes para o futuro, onde a dor se transforma em amor, e o esquecimento dá lugar a uma presença renovada.
3. A sua escrita também provoca reflexões sobre a atenção que damos às pessoas que amamos. Como a perda materna impactou os outros laços afetivos?
R: Com a ausência da minha mãe, os laços que me restavam foram tocados por uma nova sensibilidade, uma urgência em valorizar cada momento, cada palavra, cada olhar. A dor da perda me ensinou que o tempo é um fio delicado, e que as pessoas que amamos são preciosas teias que entrelaçam nossa existência. Ao sentir o vazio deixado por ela, percebi que os outros laços, aqueles que ainda me sustentam, precisavam ser cultivados com a mesma ternura e presença. A ausência da minha mãe se tornou um espelho, refletindo o valor das presenças que ainda caminhavam ao meu lado. Assim, a escrita, que antes era apenas expressão, tornou-se também um convite ao cuidado, uma maneira de abraçar com palavras aqueles que ainda posso tocar com as mãos. A perda, em seu paradoxo, aprofundou meu amor, tornando-o mais atento, mais grato, mais consciente de que, assim como a vida, os laços são efêmeros, e por isso, precisam ser vividos com a plenitude de cada instante.
4. Sempre falta alguma coisa, até mesmo para quem parece ter tudo. O que você sente ao ver o Conversas alcançando diferentes faltas de leitores por todo o país?
R: Ver “Conversas” alcançar tantos corações é como observar uma semente, antes solitária, brotar e espalhar raízes em terras distantes. É a constatação de que, por mais que tenhamos, sempre há espaços dentro de nós que anseiam por algo mais, algo que complete o que não conseguimos nomear.
Quando vejo minhas palavras tocarem as faltas, as ausências e os vazios de outros, sinto como se estivéssemos todos conectados por esse fio invisível, uma rede de perdas compartilhadas e de esperanças renascidas. É como se cada leitor, ao abrir o livro, estivesse permitindo que minhas palavras preenchessem um espaço que nem eles mesmos sabiam que existia. E ao mesmo tempo, ao perceber essa acolhida, sinto que minha própria falta, aquela que me impulsionou a escrever, também se atenua. É um ciclo de troca, onde a palavra cura, consola e une.
5. O que o Felipe de hoje diria para o menino que carregou uma vida tão pesada sobre os ombros?
R: “Você não precisa carregar tudo isso sozinho. O caminho é longo, mas não precisa ser solitário. Dentro de você, há uma coragem que nem o tempo pode apagar, mas lembre-se, também há espaço para o sonho, para o riso, para o descanso. A dor que você sente agora não será para sempre. Ela será moldada, transformada em algo que um dia você usará para iluminar outras vidas.”
6. Felipe, deixe uma mensagem para os leitores do blog.
R: A finitude, essa lembrança de que somos passageiros no trem do tempo, nos sussurra ao ouvido que a vida é feita de momentos que escorrem entre os dedos. Não é o fim que deve nos assustar, mas a possibilidade de não ter se quer vivido.
Confira o livro no site da Oficina Raquel
*Daniel Dornelas estuda medicina, produz conteúdo para internet e, é também, autor estreante. Para morrer como um passarinho é uma obra delicada e poética, onde Daniel aborda com ternura a finitude da vida, revelando a beleza e o amor presentes mesmo diante da morte e do sofrimento. Chegará às livrarias pela Oficina Raquel em outubro.