A anedota é recorrente nos meios pedagógicos, mas preciosa, porque certeira – um homem do século XIX faz uma viagem no tempo e chega à época atual: espantado, conhece com assombro os automóveis e espanta-se com tanto avanço tecnológico; da mesma forma, observa as vestimentas e depara-se com imenso disparate com relação à sua época; também os costumes em muito mudaram. Ele então é conduzido à escola e lá se sente confortável: ela continua igual à de dois séculos atrás.
Embora a história narrada lide com estereótipos, certo é também que, em muitos aspectos, o sistema educacional vigente ainda tenha como suporte muitos referenciais dos novecentos. Apesar de tal fato, não é de hoje que os recursos tecnológicos são utilizados nas salas de aula. Porém, a verdade é que tanto a Educação à Distância como os modelos híbridos ainda pareciam, no início de 2020, experimentos reservados a nichos específicos.
Com o advento da pandemia do COVID-19, entretanto, uma dezena de termos juntou-se ao glossário cotidiano das escolas: aulas on-line, lives, questionários remotos, enfim, de um modo ou de outro, a maioria das instituições, ainda que de maneira improvisada, tateiam por uma trilha onde ainda há menos respostas do que indagações. Certo é também que muitas das práticas ensejadas pelos estabelecimentos escolares nesse momento estão muito longe de serem consideradas práticas eficazes postuladas pela EaD.
Dentre tantas questões, algumas são inevitáveis e, talvez, as mais importantes: como promover açodadamente a inclusão digital de um imenso manancial de jovens que vivem a exclusão cotidianamente? Como falar de wi-fi, internet 4G e aplicativos para famílias que, muitas vezes, sequer têm condições de prover o sustento mais básico?
Se há algum avanço trazido ao contexto pedagógico por esta peste que inaugura, efetivamente, o século XXI, talvez seja o fato de escancarar ao poder público que, neste ano e nos vindouros, a Educação precisará de suportes tecnológicos que não podem ser exclusivos de determinadas classes. Dessa maneira, após a universalização do Ensino Básico no país, chega-se ao desafio de munir os estudantes de ferramentas que lhes garanta acesso rápido, ágil e gratuito ao universo digital.
De acordo com respeitados nomes da Infectologia, a COVID-19 será um fenômeno que assolará a humanidade em ondas. Sendo assim, tende a não ser um processo passageiro, porém uma realidade com a qual os indivíduos e a sociedade (logo, o poder público) terá de conviver durante tempo significativo. Não é possível então, que se pensem em soluções paliativas para o novo contexto pedagógico que advirá dessa realidade. É necessário, sobretudo, um planejamento estratégico que garanta a continuidade do acesso universal de todos os estudantes ao saber.
Retornando à anedota que deu início a este texto: se daqui a poucos anos, um sujeito realizar uma viagem no tempo do século XIX ao XXI, muito provavelmente não terá mais condições de reconhecer a escola…
Jorge Marques