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Por que mentir?

Tudo é mentira nesse livro: não só os contos, mas os elogios da contracapa e o texto das orelhas, o prefácio e o posfácio, tudo, enfim.

Se esse exemplar na sua mão tiver uma dedicatória escrita por mim, ela também é mentira. (Toda dedicatória que escrevo é sempre mentirosa: um microconto que invento na hora e escrevo ao vivo. Somente o nome da recipiente é real.)

Mas por que mentir? Por que escrever dedicatórias apócrifas, orelhas fajutas, biografias falsas? Por que tanto desrespeito à pessoa que está lendo? Por que perder tempo em brincadeiras bobas? Por quê? Para quê? Ou, mais fundamentalmente, no meio de uma pandemia global, para quê escrever ficção?

Vivemos a Era da Mentira.

Hoje, temos na presidência do Brasil e dos Estados Unidos dois homens eleitos na base de notícias falsas.

Por outro lado, essas notícias falsas se tornaram um problema justamente porque as pessoas estão tão céticas que, em seu ceticismo crédulo, acreditam ingenuamente em qualquer teoria alternativa dos fatos.

Um dos grandes paradoxos dos tempos atuais é que foram exatamente as pessoas mais céticas e cínicas que se tornaram as maiores crédulas e ingênuas. (Antes da pandemia, que roteirista teria incluído em seus filmes uma comunidade de “negacionistas do apocalipse zumbi”?)

Todos os dias, nas redes e aplicativos, somos bombardeadas por uma saraivada de mentiras, mas não apenas mentiras: mentiras que batem retumbantemente no peito para se proclamar verdades, mentiras orgulhosas de serem as únicas verdades, mentiras que insistem representar a verdadeira verdade.

Nesse mundo, o que pode ser mais subversivo do que uma mentira que se afirma mentira? Nesse contexto, o que pode ser mais revolucionário do que uma mentira que se gaba de ser mentira?

Sou bacharel em História. Fui treinado para pesquisar e investigar, descobrindo assim a verdade sobre os fatos do passado.

Sou escritor de ficção. Passei a vida inteira inventando histórias que nunca aconteceram com pessoas que nunca existiram.

A verdade está no centro do meu trabalho, seja para buscá-la ou evitá-la. Tudo o que faço profissionalmente diz sempre respeito à verdade, seja reflexão ou discurso, ataque ou defesa, repudiação ou fuga.

Chamamos ficção de ficção porque não queremos chamá-la por seu nome verdadeiro. Ficção é mentira. Um livro de contos é um livro de mentiras. Mais importante, é um livro de mentiras que nunca te engana sobre o fato de ser um livro de mentiras.

A leitora distraída, se abrisse esse livro na livraria e lesse somente uma orelha, talvez até se deixasse enganar.

Mas bastaria ler a outra orelha para detectar a discrepância e sentir o estranhamento. Afinal, ambas se contradizem e se anulam.

Talvez pensasse que ou uma orelha ou a outra teria necessariamente que ser mentira.

Talvez se desse conta que poderiam as duas ser mentira.

Talvez (quem sabe!) pecebesse até mesmo que toda orelha de todo livro é sempre mentira.

Afinal, o que é uma orelha de livro senão uma narrativa ficcional para criar uma persona vendável ou prestigiosa para a pessoa autora? (Com ou sem foto? Foto de rosto ou de corpo inteiro? Foto na praia ou na biblioteca? Melhor citar os títulos acadêmicos ou os títulos dos livros publicados? As esposas ou os filhos? As viagens ou as falências?)

Se as orelhas são mentira, o que dizer então dos prefácios e dos posfácios? Dos elogios da contracapa e dos agradecimentos finais?

E não só desse livro, mas de todos os outros que já li, pensaria a hipotética leitora: esses livros em quem tanto confiei.

Ou, talvez, distraída e desinteressada, simplesmente colocasse o livro de volta na mesa e fosse comprar um Moleskine.

***

Um editor se recusou a publicar esse livro (chamado Mentiras Reunidas, vamos lembrar) por causa do excesso de mentiras.

O livro é de ficção, respondi.

Ora, nas orelhas, na biografia, nos elogios da contracapa não pode.

Mas por quê? Se o livro é ficção, por que não ser tudo ficção?

A verdade é que é tudo mentira.

A mentira é que nada é verdade.

Alex Castro,
Copacabana, 6 de janeiro de 2021

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Alex Castro (1971-2021) não teve filhos.

Foi melhor amigo de: Dolly (1978-89), Júnior (1990-92), Átila (1993-2002), Oliver (c.2001-14) e Capitu (2014-21).

Amou e foi amado por: Diane (2001-04), Liloló (2005-10), Vívian (2010-12), Outra Significativa (2012-15), Carolina (2015-18) e Marina (2018-21).

Escreveu: Mulher de um homem só (2009), Onde perdemos tudo (2011), Outrofobia (2015), Atenção. (2019) e Prisões (2021, póstumo).

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