A escritora Sônia Rosa atua na área de literatura negro-afetiva voltada para crianças e jovens e está lançando o seu primeiro livro na Oficina Raquel: Chama o sol, Matias! Sônia é uma apaixonada pela educação, trabalhou como professora e orientadora educacional na Secretaria Municipal de Educação do Município do Rio de Janeiro. É pedagoga e contadora de histórias.
Você pode ir para a página do livro clicando aqui.
Como se deu a transição da Sônia Rosa leitora para a Sônia Rosa escritora? Em que momento surgiu na sua vida o desejo de tornar a escrita uma profissão?
Primeiramente quero falar da minha alegria em chegar à Oficina da Raquel esta editora tão simpática e potente.
Esta é uma longa história, que se entrelaça com o desejo de me tornar escritora. Na verdade, nunca imaginei me tornar uma escritora. Este sonho não fez parte da minha infância, já que “ser escritora” era algo absolutamente fora das minhas perspectivas dentro da ambiência daquele momento histórico familiar do “meu eu criança”, onde não havia livros em casa. Por outro lado, me apaixonei pela palavra dita, falada, cantada, recitada, em verso e em prosa. Minha mãe contava histórias, adivinhas, provérbios, travalínguas…
Essa foi a formação que me transformou em “amiga das palavras” e me levou a contar histórias, ser uma leitora e em seguida me impulsionou a fazer poesias. Na adolescência, tinha meus diários, contava ali os meus segredos… e também fazia muitas poesias. Mas o que queria mesmo era ser professora. Sonho desejado e realizado! E juntando todas essas pontas (facilidade de escrita, gostar de contar histórias, ler muito e ser professora de crianças), surgiu o desejo de inventar histórias infantis para meus alunos. Sempre pegava livros na biblioteca e contava para eles. Um dia, resolvi inventar as minhas próprias histórias. Foi assim que inventei minha primeira história para crianças, O Menino Nito. Isso aconteceu em 1988, mas só publiquei em 1995. O desejo de ter uma publicação passou a ser um pensamento que acompanhava os meus dias e as minhas noites e que só aumentava com o tempo. Não foi fácil. Mas realizei esse sonho…
Sônia, conta como se deu a sua decisão por fazer uma literatura em que a representatividade de personagens afro-brasileiros é traço constante.
Foi realmente natural para mim. Como diz o Cuti, escritor e professor, trata se de “uma inconsciência negra de escrever”. Sou uma mulher negra nascida em uma comunidade carioca (Parque Proletário da Gávea, que hoje não existe mais). A minha vida foi marcada por uma lógica negra de existir e de conviver. Esta marca, entendi desde o inicio de minha carreira, precisava estar presente em minhas obras. Meus personagens são tais quais meus irmãos, primos, vizinhos, alunos. Esta percepção da força da escolha em ter personagens negros em situação de protagonismo dentro dos meus livros, foi se configurando cada vez mais no meu entendimento, nos meus estudos, na minha trajetória como escritora e acadêmica. Hoje sou Mestre em Relações Étnicos Raciais. No começo, repito, foi espontânea e natural essa opção por ter personagem negro em meus livros. Mas depois, ao longo dos anos, fui entendendo cada vez mais a força desse escolha pelo fortalecimento dessas identidades negras nos livros que faço. A lei educacional 10639/03 veio ao encontro das minhas indagações…e me ajudou muito nesta caminhada como escritora e educadora.
A partir da pergunta anterior, surge uma pergunta evidente: como se equilibrar no fio da navalha, de modo que, apesar de fazer uma literatura preocupada com questões sociais, ela não caia no panfletarismo?
Não tenho medo do fio da navalha… escrevo com coerência, com verdade, pautada na experiência e no meu lugar no mundo. Sou uma mulher negra e não “me tornei negra” porque me tornei escritora. De jeito nenhum. Conceição Evaristo nos apresenta o conceito de escrevivências, que, grosso modo, é escrever sobre o vivido, o sentido. São aquelas outras histórias que não chegavam aos livros em formato de literatura. Histórias negras escritas por negros, experiências ricas de convivências, amor, dor, alegrias, estratégias de sobrevivência, solidariedade, infâncias, criatividade… Muitas dessas experiências servem de referências para os leitores. Para os negros, uma identificação. Para os não negros, uma possiblidade de ampliação de mundo e possiblidade de refletir sobre o racismo. Escrevo histórias da minha família. Compartilho as partidas, as chegadas, os afetos e os desafetos.
Como você vê a literatura para crianças e jovens no Brasil de hoje? O que mudou de sua estreia pra cá?
A gente teve uma mudança grande, uma mexida significativa no mercado editorial com o advento da 10639/03. Muitas editoras resolveram protagonizar os personagens negros, dando-lhes, nomes, famílias e dignidade. Mas é preciso apontar aqui que alguns equívocos aconteceram por conta desse desejo de colocar personagens negros por si só, sem ter uma fundamentação séria e comprometida com a verdade dos fatos….
Mas estamos no caminho…O aprendizado “do mundo dos livros” tem repercutido nas publicações, com qualidade, de uma literatura dita negra, afro brasileira, africana, voltada para o público infantil com boas entradas nas escolas brasileiras, o que legitima uma literatura antirracista com positivos resultados.
Importante ressaltar que as cotas, as ações afirmativas , tiveram um impacto interessante na Academia, que por sua vez, influenciou as escolas e a sociedade civil.
Não podemos desconsiderar que o impacto da pandemia da Covid 19, que nos deixou dentro de nossas casas, contribuiu muito para a discussão do racismo em nosso pais. Os tristes episódios de George Floyd, do menino Miguel e de Carlos Alberto, foram adentrando pelas casas, via internet e telas das televisões brasileiras. Esses casos públicos de racismo repercutiram de forma intensa e contribuíram para “o pensar crítico” da sociedade brasileira, no que tange ao racismo estrutural que nos define como nação, infelizmente.
Para o desamor, muito amor. Por isso escrevo “literatura negro afetiva”: para que esta tenha um impacto positivo nas relações raciais brasileiras e na formação das infâncias brasileiras. Nos meus livros, tenho a pretensão, de que eles atuem numa perspectiva de uma literatura antirracista para que alcancemos aquela sociedade que sonhamos onde o respeito as diferenças seja uma realidade.
Você está lançando o livro “Chama o Sol, Matias!” pela Editora Oficina Raquel. Fala um pouco dele pra gente e quais suas expectativas sobre a obra.
O Matias é um menino lindo, criativo, encantador, leitor e muito amado. Havia prometido uma história para ele. Mas queria que ela acontecesse primeiro no meu coração. Em 2020, no comecinho do ano, antes da pandemia, fiz uma viagem para Fortaleza com meu marido. Acordamos animados para ir à praia, mas o sol se escondeu entre as nuvens. Ficamos frustrados… Mas logo avistamos um pontinho azul no céu que foi se abrindo de mansinho e logo apareceu um sol lindo e irradiante… Fomos à praia felizes da vida. Era uma experiencia lúdica que valia a pena escrever e colocar o Matias como personagem principal. E assim fiz. Foi desse jeito que nasceu a história a do Matias, que considero um abraço em formato de livro. Palavras são presentes!
Estou muito feliz em publicar pela Oficina Raquel, uma editora na qual estou de olho há muito tempo. Fazer livro exige delicadeza, competência, sensibilidade e respeito aos artistas envolvidos no processo editorial. A Oficina Raquel tem todos esses ingredientes e estou muito animada com este livro. Desejo que seja um sucesso e corra mundo…
Por fim, deixe uma mensagem para os leitores do nosso blog.
Desejo que pais e professores leiam para as crianças sempre que puderem. Ofereça livros que tenha diversidade de temas e de personagens. A leitura alimenta as ideias e os livros formam mentalidades…Não esqueçam: contar histórias é um ato de amor. Ah… e não deixem de ler Chama o sol, Matias!