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Um bate-papo com Júlio Emílio Braz

A Oficina Raquel tá cheia de novidades para 2020, com um catálogo composto por lançamentos de autores incríveis, Júlio Emílio Braz é um deles. Esse ano, o autor lança Epaminondas Goiabeira & A Máquina da Felicidade, com projeto gráfico de Raquel Matsushita, um livro voltado para o público infanto-juvenil, onde o tempo é elemento preponderante: o passado dialoga com o pretérito mais-que-perfeito e, nessa confluência de épocas, sobrevém a gripe espanhola, mais marcante peste que assolou a humanidade no século passado.

Em uma entrevista exclusiva com nosso editor Jorge Marques, o autor responde algumas questões sobre sua carreira e seu próximo lançamento na Oficina Raquel. Leia a seguir:

JM: Júlio, ficou famosa a pergunta e talvez, ainda mais, a resposta de Joaquim Pedro de Andrade ao jornal “Liberation” à questão “Por que você faz cinema?”. Queria começar nossa conversa trazendo-a para o seu métier: Afinal de contas, por que você faz literatura?

JE: Uma das maiores e agradáveis descobertas que fiz na minha vida aconteceu quando Ferreira Gullar fez-se o grande substituto de uma das edições da Flip anos atrás. Em dado momento, alguém o questionou sobre a grande importância da arte na vida das pessoas e ele respondeu com insofismável segurança ao dizer: “Porque a vida só não basta”. Fiquei encantado e finalmente encontrei o elixir mágico de todas as minhas mais arraigadas convicções com relação a Literatura, o bálsamo adequado para enfrentar todas as incompreensões mais comuns sobre a Cultura e a Arte em países periféricos como o nosso. A literatura é o meu oxigênio, a certeza poderosa de que a minha humanidade se completa com a maior obra de qualquer humanidade, que é a palavra e acima de tudo, o seu uso.   

JM: Creio que os meus primeiros contatos com suas obras foram lá no início de minha carreira como professor, quando títulos como “Pretinha, eu?” e “Crianças na Escuridão” encontraram grande repercussão na recepção de professores e jovens leitores. Unir a preocupação social ao fazer literário faz parte de um projeto artístico sistemático ou isso surge de uma maneira menos racional na sua trajetória?

JE: No princípio, a busca por tais temas e pelo viés social em meus livros se faziam por algo instintivo ou a percepção de que algo estava errado ou simplesmente me incomodava e eu precisava falar sobre aquilo. Aos poucos, no entanto, principalmente quando passei a visitar escolas públicas pelo Brasil afora, eu fui compreendendo a necessidade de se debater e falar sobre problemas que não apenas me afligia mas atingiam outros pessoas e o mais dramático, quem elas nem percebia. Falar sobre tais temas não era mais a maior necessidade, mas a ignorância geradora de tais problemas, o inimigo a ser incansavelmente perseguido. No entanto, eu até hoje me preocupo em não ser panfletário. Certa vez eu ouvi Mário Quintana dizer que um livro, uma canção ou uma peça de teatro não mudam o mundo, a arte, cultura e o conhecimento mudam o ser humano que se conseguir se unir (a desunião é o fruto amargo da ignorância), mudará o mundo. Meu único prazer e objetivo na vida é escrever boas histórias e se forem realmente boas, conseguirão colocar a quela inquietação necessária ao crescimento intelectual de qualquer um de nós. Foi a partir daí que agreguei uma certa racionalidade ao que faço.

JM: Sua carreira artística nasce no século XX, numa realidade ainda analógica, passa pela popularização da internet, na virada do milênio, e chega a uma sociedade amplamente dominada pelo universo digital. Na sua visão, como essas transformações atingiram (se é que atingiram) o mundo do livro e da leitura?

JE: Jorge, acredito piamente que somos seres absolutamente maleáveis. Nossa sobrevivência e resiliência frente às múltiplas dificuldades que superamos nos leva, por um lado, a superar cada obstáculo na vida, e pelo outro, a estar sempre nos renovando. Nunca será fácil mas sempre será necessário por ser a nossa maneira de ser. A necessidade nos move e a curiosidade nos define. Apesar de ser um analógico, a era digital me seduz. A era digital, se por um lado nos levou a processo de velocidade cognitiva, também nos trouxe uma certa dificuldade em fixar-se na leitura do texto físico. Mas também um surpreende acesso a um cabedal de leitura e conhecimento impensável vinte ou trinta anos atrás. Com ela, veio uma certa ignorância por excesso de conhecimento com uma certa incapacidade de fixar o que se lê. Eu descobri algo novo e interessante nesses tempos de Pandemia: vou fazer quarenta anos como escritor e apenas em quatro meses de acesso mais intenso as mídias sociais me tornei muito mais conhecido e lido do que em quarenta anos. Mesmo nos tempos analógicos sempre fomos o que somos até hoje: agregadores de conhecimento e como consequência, criadores de mais conhecimento. Não tema o conhecimento. Apavore-se com o desinteresse e a acomodação que nos submete ao domínio daqueles que temem a ação libertadora do pensar e até errar por si mesmo.

JM: Epaminondas Goiabeira e a máquina da felicidade é um livro que trabalha com os pretéritos: um homem de avançada idade vive um momento crucial de sua vida e passa então por um mergulho profundo em suas lembranças. Nesse jogo de passados, qual é a importância do tempo na narrativa?

JE: O tempo é uma abstração como dizia John Lennon, mas o tempo é em igual medida o que nos capacita a estarmos permanentemente atrelado à memória, outra invenção do humano e que nos assegura a singularidade de pensar e existir a partir da compreensão do Outro. Somos porque compreendemos e concebemos que existe outro. Somos humanos porque identificamos o Outro como um igual. Por outro lado, não somos o Outro e por conta dessa percepção, necessitamos de um processo intelectual que nos defina como igual biologicamente mas diferentemente em termos intelectuais. Não somos humanos mas nos tornamos humanos quando construímos intelectualmente todo uma consciência do que somos. A identidade é construção de um ser pensante e não uma determinante biológico. O tempo nos atrela a nossa existência. Um cachorro quando se olha no espelho late, pois acredita que seja outro cachorro. Ser pensante, ao se ver no espelho, ajeita o cabelo ou as vestes, pois se entrega a vaidade e a sua singularidade para garantir a sua diferenciação ontológico de outros humanos. O tempo, neste aspecto, assegura tanto a eternidade da memória quanto a relação de um certo manual de instruções que em última análise nos torna apto a lidar com a existência que construímos para nós mesmos em distintas sociedades e de distintas maneiras (porque ocidentais têm uma relação distinta com a morte dos orientais, rituais de casamento, constituição de famílias, a relação com nossos sentimentos, etc).

JM: Em Epaminondas Goiabeira e a máquina da felicidade são levantados temas densos e universais. Como abordar questões como a transitoriedade da vida, o poder, a felicidade em uma construção narrativa aparentemente tão simples?

JE: A genialidade é simples e a partir do uso adequado das palavras, bom autor consegue manipular temas complexos de modo que todos compreendam temais como a morte. Em Epaminobdas eu falo de morte pensando em adolescentes e eles já tem uma visão mais sofisticada da morte. Em outro livro, para crianças, eu apresentei a finitude da vida através da morte do animal de estimação de uma criança, pois muitas vezes o peso da morte chega pela perda de um animal de estimação. Num terceiro para crianças eu queria falar da morte de um avô. E a criança é a narradora da relação entre o avô e seu cachorro também velho. O debate sobre a dor do adolescente é transferido para o cachorro e para a relação do cachorro com o avô do adolescente. O adolescente ameniza a sua dor ao contar muitos fatos engraçados da relação do cachorro e o velho. A própria morte do avô é apresentada com a ajuda do ilustrador: na última página do livro o cachorro aparece sozinho no quarto, olhando a foto onde ele aparece ao lado do velho. As últimas palavras do narrador apresentam-se falando da morte de maneira leve e buscando apresentar como um fato da vida.  

JM: Afinal de contas, se você tivesse uma máquina da felicidade à sua disposição, ia querer usufruir dela?

JE: Adoro viver. Isso responde a sua pergunta?

Em breve o livro será lançado. Não perca a oportunidade de garantir o seu!

Júlio Emílio Bráz nasceu em 16 de Abril de 1959. Autor de livros infantis e juvenis há quase quarenta anos, começou sua carreira literária de maneira curiosa: desempregado, aceitou convite para escrever roteiros para as revistas de terror da antiga em Editora Vecchi em outubro de 1980. Seguiu-se publicações em outras editoras no Brasil e países como Estados Unidos, Bélgica, Portugal, entre outros e sua primeira premiação: o Ângelo Agostini da AQC como melhor roteirista de quadrinhos de 1986. Em 1983 começa a escrever Bolsilivros de bang bang para a Editora Monterey, escrevendo cerca de quatrocentos títulos sob 39 pseudônimos também para editores como Nova Leitura e Cedibra. Em 1988, publicaria seu primeiro infanto-juvenil, Saguairu, pela Atual Editora, e no ano seguinte ganharia o Prêmio Jabuti de Autor Revelação. Em 1990 escreveria sketches de humor para o humorístico Os Trapalhões na TV Globo e atualmente dedica-se exclusivamente a Literatura infanto-juvenil, com quase duzentos livros publicados no Brasil e no exterior (em 1997, a tradução para o alemão para seu livro Crianças na Escuridão – Kinder im Dunkeln- lhe daria prêmios na Suíça – o Blaue Brillenschlangue e na Áustria – o Austrian Children Blooks Award.

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